segunda-feira, 25 de abril de 2011

Cartas de Argila II


lembremos!
passou desapercebida uma deusa
pois ela usava uma manta suja
e seu rosto espetacular notava-se apenas quando ela dançava
entre flores seus pés arrastavam poeira
e seu rastro no chão era uma mensagem divina
escondida pelos pés dos transeuntes.
lembremos dessa mensagem como
Desculpe amor, eu não lavei nossa louça
e esqueci minha aliança no parapeito da pia
tudo abaixo era abismo
de profundidade medida por uma população da china
homem sobre homem
chorando as lágrimas do luto do matrimônio.
de quê lembremos?
toda a fantasia sob pingos graúdos d'água
pingos quentes
escorrendo sobre a face da pedra
sobre a face da pele elipsada
da musa que nos apadrinha.
qualquer coisa que nos toque, lembremos.
avante lembremos também que guardamos nossas cartas
numa gaveta mofada esquecida desconsiderada
e as cartas hoje não tocam nos seios das mulheres.
lembremos de responder às cartas dos apaixonados,
caso ocntrário amantes se convertem em paranóicos
maníacos desesperados depressivos
com as olheiras como arcos fundos, pretos.
a todos que cativamos apadrinhamos
e são nossos filhos quem cativamos.
paratanto quem nasce belo
é padroeiro dos olhos de seu caminho,
é pai de todos.

(imagem ao topo: da série "Sobreposições", 1999, de Luise Weiss. retirada de seu blog Relatos Poéticos)

domingo, 24 de abril de 2011

Claro em Noite IV

virei (mais uma vez) a noite

de ponta à cabeça e vice-versa

e quando olhei ao relógio

olhando também à janela

fiquei em dúvida cruel

estaria tarde demais

ou muito cedo?

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Cartas de Argila





olá V. 
desculpa demorar tanto em te mandar isso, mas eu odeio não terminar as coisas que comecei, e tbm guardar meus sonhos só pra mim. 
pra reforçar: eu levo a sério meus sonhos, e apesar da internet ser uma coisa meio informal, eu acho que ela pode ser um meio legal de correspondência.

Foi o seguinte: numa festa por acaso eu te encontro, e desde o princípio da festa quero te encontrar. te encontro. Você me desdenha - lembre-se que é um sonho - e dificulta as coisas. durante toda a festa eu te procuro, você só me foge. fica assim o sonho todo. só no final, depois de bastante esforço eu consigo um beijo e confiança. a festa é mais alegre e todos gritam, entre risos e confetes, enquanto falo com você rosto-a-rosto. 

foi basicamente isto. claro que mais intenso e mais bonito, mas em termos gerais foi isso. 

***

bom, eu não te conheço nem um pouco, e tbm não quero q vc me ache um louco. mas apesar disso, eu acho que todo nós somos loucos, e eu acho que a vida pode ficar mais interessante.
vc decide o que fazer com esse sonho. é seu. Só peço que seja um segredo absoluto, que vc não me faça de idiota com isso: é sincero, e eu não espero nada.
as cartas são lindas porque dizem coisas que não podem ser ditas ao vivo, por isso eu te mandei isso. tudo é diferente em carne e osso.


espero alguma resposta.
um beijo, Deni


(imagem ao topo: foto da série "Sobreposições Fotográficas", 2001, de Luise Weiss; retirada de seu blog Relatos Poéticos)

terça-feira, 19 de abril de 2011

No meio de uma estrada

me vejo vagueando
e me encontro entre dois lugares
me encontro em lugar nenhum.
uma voz me sussurra
"há cidade à frente?"
não há.

por que razão saí de minha cidade por uma mulher?
pressinto que morrerei no caminho
à alguém que desconheço.
o sacrifício já não toca os amantes,
e no meio de uma estrada constatei minha loucura.

como faço para tatear-te?
como posso te envolver no meu peito?
como vou erguer nossa morada?

se perco tempo...é possível?
se perco meus membros...é possível?
se durmo durante a noite...

a cidade à frente não me acolherá.

Deleuze e o amor




"O verdadeiro charme das pessoas reside em quando elas perdem as estribeiras, quando não sabem muito bem a que ponto estão. Não são pessoa que desmoronam, pelo contrário, nunca desmoronam. Mas se não captar a pequena marca de loucura de alguém, não pode gostar desse alguém, não pode gostar dele.É exatamente este lado que interessa. E todos nós somos um pouco dementes. Se não captar o ponto de demência da pessoa, eu temo que...aliás, eu fico feliz em constatar que o ponto de demência de alguém seja a fonte de seu charme."


Deleuze

sábado, 9 de abril de 2011

redemoinho

gosto de nós
em cordas de barcos
que rangem os ventos
cordas douradas balançam entre dedos
seus olhos tão bravos
suas portas tão lindas
balançam e batem! entre sonhos


pequeno, meu casco
asco, meu rosto
tosco, meu dente
crente, meu olho


gosto de nós, silêncio
nós entre minhas mãos de calos
e tão longe do seu toque.
Vagueia, navega, em mim
te preciso como é navegar
te domino como é viver

transmuta-se sempre
ora lá sobre cristais
ora aqui sobre fazendas
está sempre me perseguindo
içando, me sugando
redemoinho
me puxa o peito
goza sozinha, engolindo barcos